dois tipos de humor são nobres, quando inclui a si mesmo no chiste, e quando dilapida o senso comum que alimenta o poder, há outra forma de humor que não é muito nobre, mas é funcional, é a ironia, quando dirigida ao algoz, ou no debate, dirigida ao adversário, mas o humor o que explora o sofrimento, a opressão, a condição e a circunstância do outro rebaixado-o devido a isso, não é humor, é cafajestagem, me choca esse último, e quem ainda consegue refetir não consigue rir.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Editorial de Paulo Leminski (1979)
Nem Tudo Foi Feito para Ser Dito
O fim da censura é o fim da arte me explico a morte da censura representa a morte da arte da literatura do teatro do cinema me explico a expressão artística é sempre a superação de obstáculos falta de tempo falta de papel preço de filme virgem ausência de bons profissionais burrice de editores sub-desenvolvimento da população analfabetismo toda a sorte de barreiras a expressão artística é uma corrida com barreiras quanto mais barreiras mais sublime a performance do criador é contra as pedras do caminho que o criador afia suas armas aprimora seus truques jorge luís borges disse brincando uma coisa muito séria ao dizer que era a favor da censura porque ela obrigava os escritores a serem sutis está tudo aí nos longos dec~encios da ditadura de salazar os jornalistas portugueses desenvolveram técnicas maravilhosas de dar notícias nas entrelinhas havia até um periodista luso que conseguia condensar artigos de fundo numa simples reticência outro concentrava sua malícia no ponto de interrogação do qual extraía todos os efeitos que queria hoje com a abolição da censura essa idade de ouro estilística do jornalismo dalém-mar acabou com apermissão de dizer tudo abertamente muitos dos melhores profissionais portugueses perderam seu emprego para reles escrevinhadores que falam tudo pão-pão-queijo-queijo obstáculos são necessários para o florescimento da arte e do pensamento e para que maior obstáculo que a censura? um obstáculo real palpável como um cassetete um par de algemas uma mordaça uma venda nos olhos não um obstáculo subjetivo abstrato como uma dor de cabeça um desânimo uma mediocridade ao instituir a censura os estados autoritários estão pensando no futuro da arte dando aos artistas um motivo para viver e criar superar os obstáculos impostos pela censura eis a mais alta tarefa a que pode se propor um criador e como fazê-lo sem censura? um verdadeiro criador não se contenta apenas com a censura externa essa irrelevante a censura que se manifestasob a forma de cortes nos filmes apreensão de edições prisões
a verdadeira cesura é a censura interiorizada chamada auto-censura além de poupar trabalho aos censores profissionais a auto-censura dá ao artista a deliciosa sensação de estar burlando a lei e de estar dizendo mais quando diz menos o verdadeiro criador deve portanto já levar a rádio-patrulha no coração é o maior dom que um estado ordeiro pode ofertar a seus súditos
a censura traz ainda outros benefícios estéticos o silêncio por exemplo os artistas amantes do barulho e do ruído vão protestar mas o silêncio além de demonstração de sabedoria é um dos mais belos momentos da criação pode haver música sem silêncio? impossível o silêncio é a metade de toda a melodia som silêncio som silêncio som silêncio os sons são imperfeitos uns feios outros desarmônicos outros estridentes só o silêncio é perfeito inalterável eterno como um diamante quanto mais silêncio na música de um povo mais bela sua música agora me digam quem pode produzir um silêncio tão integral quanto a censura? só os ingratos não enxergam nem ouvem
obrigando os criadores aos silêncio a censura lhes proporciona mais tempo para refletir meditar amadurecer há muitos artistas afobados que têm uma idéia e já querem mostrá-la a todo mundo sob a forma de canção livro filme a censura está aí para ajudar esses artistas imediatistas a dar tempo ao tempo rever posições podar arestas dessa forma a censura evita que obras menos acabadas saiam à luz dando uma falsa impressão da arte do país mesmo que a obra demore a aparecer que são quarenta anos na vida da arteque é eterna e se projeta em direção ao infinito?
os artistas reclamam da censura como pretexto para não produzirem obras válidas e fortes não só não entendem de arte tanto quanto a censura mas o que é pior não entendem as implicações sociopolíticas da criação artística o artista é responsável perante seu povo representá-lo pelo aparato estatal que garante a estabilidade das instituições
como governar e administrar bem um país com um bando de intelectuais e artistas sem trato com as sutilezas da vida pública gritando filmando escrevendo que vivemos sob uma tirania que o país é o quintal das multinacionais que tem gente morrendo debaixo do pau nas cadeias que o país é um campo de concentração que a miséria dos operários serve para financiar a prosperidade o whisky escocês e o caviar dos ricos que os índios são mortos para abrir caminho ao investidor estrangeiro que a especulação imobiliária degrada o espaço vital e a qualidade de vida das cidades e outras balelas que só servem para denegrir no exterior a imagem do país que no fundo só busca um caminho autônomo para desenvolver uma democracia relativa sob o sacro binômio desenvolvimento e segurança? só uma arte sob a censura severa é verdadeiramente participante e engajada porque responsável social e coletivamente
agora vá embora o doutor vem vindo e se eu não esconder essa papelada toda ele vai ver que eu ando lendo jornais de novo
P. Leminski
Sanatório São Judas Tadeu Pavilhão ********
Editorial Classificado como Ouro no 4o. Anuário do Clube de Criação de São Paulo (1979)
Diretor de Arte: Oswaldo Miranda
Redator: Paulo Leminski
Fotógrafo: Arquivo
Veículo: Diário do Paraná
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